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Cacique Waconã Kariri-Xucuru em sua Reserva.
HOMENAGEM AO CACIQUE MANOEL SELESTINO
Querido Cacique,
Ainda me lembro do teu olhar, quando no fim de uma tarde de janeiro de 2015, eu chamei pelo nome do teu filho em frente da tua casa. Eu ainda não sabia quem eras, mas soube imediatamente que estava diante de um autêntico guerreiro. Agora, os janeiros são minha tradição.
Hoje, num surto de saudades, agradeci ao chefe Itaguaréaré, por ter me conduzido até o senhor. Cinco janeiros depois, entendo que naquele janeiro o que ocorreu foi um encontro entre chefes, Waconã Kariri-Xucuru Manoel Selestino e Itaguaréaré. Eu estava ali só para assistir e aprender.
Em tuas palavras Cacique, só ouvi conselhos de Deus. Em teu lar, fui recebido como um filho, um filho branco que ganhou tanto carinho que até parecia nascido do ventre da tua Lurdes. Lembro com carinho da última oração que esta mãe fantástica fez para mim e minha esposa. São estes momentos que constroem a vida. A companheira do guerreiro ensinou.
O cacique preparando sua neta para um dos rituais do seu povo.
No teu caminhar guerreiro, aprendi que existe passo e velocidade para tudo. No teu silêncio, ao queimar do fumo do teu cachimbo, aprendi a silenciar também, porque é Deus, através de teus ancestrais, quem está falando contigo nestes momentos.
Estás sempre a cuidar e melhorar as condições dos teus queridos batalhando, não raramente, contra ricos e poderosos. Não tens medo de nada e de ninguém e, ainda assim, exala leveza e amor ao cuidar das crianças de teu povo nos momentos de ensinar sobre Deus e teus ancestrais.
Lembro do cheiro das ervas, do sol entre as árvores na Reserva, da brisa agradável, do caju, da manga, das tuas vigílias noturnas em prol dos teus, e também, com muito carinho, do banho na fonte sagrada. Lembro do teu riso aberto e do carinho protetivo em me aceitar. Não posso me esquecer também dos meus apelidos na tua terra, dentre os quais “o professor zezinho” e o teu preferido, “o curitiba”.
O cacique em momento de descontração com seu pupilo branco.
Cacique, tuas palavras têm sabedoria e poder. Do alto de tua experiência na vida, o teu olhar poderoso ainda faz tremer os jovens que buscam percorrer o caminho do guerreiro. Que aprendam a fazer o espelho de suas almas em ti!
Agradeço a Deus por poder compartilhar da tua presença em algumas das minhas melhores lembranças. Continuo daqui de longe, saudoso para revê-lo e contando os dias enquanto aguardo pelo próximo janeiro.
Com carinho, o curitiba.
Curitiba, 21 de março de 2020.