Guerra: o lado triste dos mundos.
Há algum tempo, as defesas do terreiro estavam no limite de suas capacidades. Sofríamos ataques internos e externos simultaneamente, sendo que os externos estavam nos preocupando cada vez mais.
Os ataques internos eram direcionados ao dirigente e motivados por cobiça e inveja, o de sempre. Já os externos eram realmente preocupantes pois se tratavam de ataques realizados por espíritos especializados em encerrar atividades de casas de Umbanda. E, compreendamos, encerrar atividades de Umbanda não significa fechar a casa sob ataque. Em geral, ela é convertida sigilosamente de modo que apenas os poucos que estejam mais atentos à sua espiritualidade conseguirão perceber a mudança e, em geral, estas pessoas vão embora. No começo da conversão, tudo começa com as pequenas mudanças errôneas “perdoáveis” que levam a pequenos probleminhas e que, posteriormente, levam a erros maiores e a problemas maiores até que restem na casa apenas aqueles que tenham afinidades com a nova realidade vibratória do local. E o dirigente? Se não conseguiu reverter a situação, lutou até ser engolido vivo ou se converteu durante o calor da batalha, em sigilo, é claro.
As coisas estavam difíceis e as giras eram sufocantes. Por vezes, o dirigente iniciava a gira sozinho, horas antes do combinado com a corrente, para evocar as forças de Ogum e limpar a vibratória do terreiro para que a gira com atendimento às pessoas fosse ao menos suportável para a corrente. Travando batalhas internas e externas, todos estavam cansados e com as energias vitais baixas. Foi quando, em um momento de oração em ritual de cachimbada, o dirigente foi orientado pelo Caboclo Pena Branca a pedir que a fumaça daquele cachimbo chegasse aos pés de Oxalá e a pedir que o Orixá abençoasse nossa casa com a vitória, enviando seus exércitos e comandantes em nosso socorro.
Meses depois, massacrados, mas ainda suportando ataques variados do mundo espiritual, chega ao Congá um general de Umbanda, o Caboclo Akuã, trazendo consigo reforços aos regimentos Naruê e Megê, bem como regimentos inteiros de Tucuruvús e Panteras. Pajés foram trazidos para os regimentos de Pena Branca.
Foram 3 meses de arrumação energética da casa sob o comando de Akuã, até que o guerreiro julgou que estávamos prontos para expulsar nossos atacantes para longe dos limites energéticos da nossa casa de caridade. O enfrentamento começaria em breve.
Uma gira sem atendimento e apenas com os capitães de terreiro foi agendada por Akuã. Um frio percorreu nossos corpos. Sabíamos o que enfrentaríamos. No dia e na hora específica agendados, estávamos lá. Ritual curtíssimo e o comandante se apresentou com seu brado longo e alto. Trouxe consigo mais dois comandantes, o Grande Lobo (Caboclo Pena Branca) e o Caboclo da Lua e do Sol. Com seus médiuns protegidos, o evento militar teria começo. Tivemos nossas experiências no mundo material, mas o que relato daqui em diante, é o ponto de vista do Caboclo Ogum Megê, chefe de nossa segurança interna, sobre a guerra espiritual que foi travada no mundo astral:
“O que vou relatar aqui não é bonito e não traz orgulho. Embora por vezes necessária, a guerra, seja no mundo material ou no mundo astral é dolorida, fétida, chocante e assombradora. Espero que tenha exatamente este impacto nas almas dos que leem este relato. Que fique gravado em vocês e que se lembrem do que se trata exatamente uma demanda, palavra tão comumente usada em terreiros que as pessoas acabaram minimizando os seus significados e impactos reais. Ao menos reflitam antes de entrarem em uma. Sigo o relato de mais uma batalha desta guerra ancestral.
Enquanto vocês se preparavam na matéria, reunimos as tropas sob o escudo energético de nossa egrégora. Todos aqueles que participariam do combate haviam sido marcados pelo pessoalmente pelo Comando de Tranca Ruas na casa. Espíritos que, por sua ocupação, precisam entrar e sair constantemente de nosso campo energético de proteção, uma vez autorizados pelos Senhores do Carma, ganham insígnias em seus corpos astrais, as quais concedem a estes espíritos a livre passagem por nossas defesas. Por motivos óbvios, não vos apresentaremos os ditos símbolos sagrados.
Chegado o momento, sob o comando de Akuã, usando as insígnias concedidas pelos Tranca Ruas, nos transportamos em bloco, Megês, Penas Brancas, Lua e Sol e Panteras para fora de nossas defesas, guardadas cuidadosamente pelos Tranca Ruas e também por soldados meus. Restritos ao domo energético ficariam ainda os regimentos de Tucuruvú e Naruê. Os primeiros, cuidariam do aspecto militar de proteção dos médiuns e da casa. Os segundos, cuidariam dos aspectos magísticos de segurança da casa e assentamentos e que estariam possivelmente expostos em caso de contra-ataque.
A tensão aumentou. Organizado em cunha atrás de Akuã, estava o seu regimento de elite, os Panteras. Penas Brancas e Lua e Sol estavam na retaguarda. Por fim, eu e meu regimento, permanecíamos escondidos vibratoriamente e entraríamos em combate apenas se as coisas saíssem do controle. Foi difícil manter um regimento inteiro de Megês quietos frente a um embate como esse. A guerra corre em nosso ser. Mas somos disciplinados e cumprimos as ordens de Akuã. Eu, comandante dos Megês, fiquei conectado mentalmente a Akuã, ao comandante dos Penas Brancas, dos Lua e Sol e ao comando dos Panteras aguardando qualquer sinal para entrarmos em ação.
Os oponentes que enfrentaríamos naquele dia conheciam o poder de combate de Akuã e seus Panteras e por isso vieram em grande número. Impossível de determinar a proporção. As fileiras combatentes se perdiam no horizonte. Justamente, Akuã queria que pensassem que poderiam nos vencer para que fossem descuidados. Mas, aprendemos rapidamente que eles também estavam bem preparados e com estratégias à nossa altura.
À frende de seus guerreiros, Akuã evoca a força do Orixá da Guerra e todos bradaram em uníssono. No instante em que ordenaria o ataque, Akuã foi interrompido pelo Grande Lobo com uma comunicação mental: Akuã, não ataque. É uma armadilha. O Grande Mal está presente! Precisamos equilibrar as forças.
O comando foi imediatamente passado aos guerreiros que silenciaram.
O Grande Mal a que se refere o Caboclo Pena Branca, é uma vibratória muito expandida, sem forma, apenas uma força muito inteligente comandando forças trevosas contra as quais a falange dos Penas Brancas trava combates energéticos há séculos.
Os Penas Brancas e Caboclos Lua e Sol iniciaram então um rito de pajelança. Cobrindo sua cabeça com a pele do lobo que lhe deu seu nome, o Caboclo Pena Branca evocou seus Guerreiros Lobos que fizeram um círculo de proteção adicional ao redor dele e de seus companheiros pajés. Descobrindo a cabeça novamente, surge sobre ela o seu cocar alvo reluzente que o conectou com as forças do Altíssimo. Empunhando seu cajado iniciou sua dança ritual que foi acompanhada pelos demais pajés. Relâmpagos vindos de um único ponto começaram a cair do céu em grande quantidade, fazendo uma redoma de proteção contornando todos os nossos guerreiros. Alguns de nossos oponentes descuidados se aproximaram demais da redoma e foram extinguidos.
Dentro da redoma, uma luz intensa se fez presente e se densificou entre nossos guerreiros, dando a impressão de um nevoeiro iluminado em dourado ao nosso redor. Os relâmpagos cessaram e um limite claro entre a Luz e as Trevas ficou definido. Todos soubemos então que seria o momento de iniciar nossa movimentação.
Estamos acostumados a ver Akuã usando sua lança, seu arco e flecha ou ainda a sua espada ancestral. Mas desta vez não, estava de mãos vazias. Akuã bateu as mãos umas contra as outras e se iluminou de vermelho alaranjado. Parecia pegar fogo. Vários símbolos se acenderam em dourado em seu corpo. Ele mesmo era a definição da ponta da lança de Ogum. Seguido por seus guerreiros Panteras, em grande velocidade Akuã adentrou a escuridão, em que a única luz que se podia observar era a da força que Ogum e Iansã concederam ao general. Com o avanço dos Panteras e domínio de território, a luz emanada pelos Pena Branca penetrava a escuridão algum tempo após o avanço das tropas.
A guerra é, por vezes necessária, e sempre um evento triste, mas ela havia começado e Akuã é impiedoso e cirúrgico em momentos de confronto. Rasgou as falanges inimigas avançando sem parar e aniquilando aqueles que se colocavam em seu caminho. Soldados comuns de nossos oponentes tinham seus corpos astrais desintegrados se tentassem chegar muito próximo, ao alcance da aura de nosso comandante. De suas mãos, por vezes eram emanados jatos energéticos densos que atingiam seus oponentes a distância, derrubando-os e os deixando desacordados. Outros, apenas sucumbiam ao impacto energético da passagem de Akuã que deslizava sobre o campo de batalha. Logo atrás dele, vinham os Panteras, aproveitando o caminho deixado pelo comandante.
Guerreiros fantásticos iluminados por Ogum, não usam armas. Eles mesmos são as próprias armas. Possuem a habilidade de transformarem seus corpos em panteras, homens ou uma mistura dos dois. Usam com muita facilidade este recurso, fazendo valer aquilo que for mais eficiente no momento. Notei que, enquanto mantendo alguma parte de si transformada em pantera, eles ficam muito mais agressivos e não há dor, energia ou oponente que possam fazê-los parar. Apenas a derrocada de seus corpos astrais ou a ordem de seu comandante é que pode contê-los. Mais nada pode.
Seu comandante possuía quase o dobro do tamanho dos soldados Pantera. É um homem branco, quase cor de leite, e ruivo, com aparência rude e que costuma combater sem armaduras ou armas, apenas vestindo suas habituais calças e botas feitas de couro marrom. Traz em seu peito um objeto magístico que não se pode descrever aqui. Apenas os comandantes Panteras recebem este objeto, em ritual secreto do qual somente os comandantes desta falange têm o direito de participar. O objeto fica localizado sempre junto ao peito, preso dentro de uma cinta de couro amarrada fortemente na diagonal do tórax e apoiada sobre ombro esquerdo do comandante.
Nunca havia visto um guerreiro tão feroz. Seguindo Akuã de perto, ele agarrou um soldado oponente, levantou acima da cabeça e deixando claro o horror da guerra, o quebrou ao meio com brutalidade. Mesmo observando o ocorrido, tive dificuldades para entender a força do comandante Pantera para realizar tal exercício fúnebre apenas com suas mãos. Mantendo corpo humano, olho e braço direito de pantera, ele atingia vários de seus oponentes por vez, usando agora, como arma obtida em campo de batalha, as metades do homem que segurava em cada uma de suas mãos. Os pedaços do pobre soldado foram se desfazendo com os golpes do comandante Pantera, restando, por fim, apenas a cabeça do sujeito, apertada por entre as garras de sua mão de pantera, e que ele arremessou com fúria para eliminar mais um oponente. O comandante Pantera foi brutal, em ressonância com a vibração que toda guerra exala. Enquanto continuava avançando e abrindo caminho em meio à multidão de oponentes, seus guerreiros vinham logo atrás lutando com a mesma ferocidade, mas, obviamente, com menos vigor. Vendo o homem em ação, entendemos rápido porque ele é, sem dúvidas, o comandante dos Panteras.
Entretanto, com estratégia de grandes números, nossos oponentes afastavam e separavam os guerreiros Panteras uns dos outros, os cercavam individualmente e depois os venciam pelo número muito maior de guerreiros. Eles usavam lanças, espadas, flechas, redes, paus e pedras envenenados com energia do baixo astral. Eram fétidos e muitas vezes usavam de suas mordidas venenosas e vampirescas como forma primeira de ataque, dependendo do grau baixo-astralino do espírito. Muitos Panteras tiveram seus corpos astrais envenenados e/ou dilacerados, ficando inconscientes no campo de batalha até que puderam ser resgatados pelos Lua e Sol. Alguns, entretanto, foram capturados para servirem de fonte de informação para os comandantes das Trevas. Todos eles, sem exceção, antes de sucumbirem, transformaram-se totalmente em panteras colocando para fora toda a energia da fúria do felino em combate. Levavam muitos consigo antes de serem rendidos.
Enquanto isso, na retaguarda, os Pena Branca mantinham a vibratória de sustentação aos nossos soldados e o regimento da Lua e do Sol resgatava em campo as almas feridas dos combatentes de ambos os lados do conflito. Aqueles cujos corpos foram desintegrados também foram resgatados, pois se tornaram uma forma condensada de energia astral parecida com ovoides, contendo o princípio inteligente, seus espíritos, encerrados nesta forma energético-material de autoproteção momentânea concedida pelo Criador.
Nós também fizemos nossos prisioneiros. Além de alguns guerreiros de grau mais elevado que havíamos aprisionado, em pouco tempo de combate, Akuã havia chegado aos primeiros comandantes de nossos opositores. Das insígnias gravadas em seus ombros, saíam luzes verdes que eram direcionadas aos comandantes inimigos. Chegando neles, estas luzes se condensavam em forma de cobra constritora, prendendo forte estes espíritos que eram incapazes de se libertar ou serem libertos. Eram imediatamente afastados de seus soldados pelos Panteras e entregues aos Lua e Sol pois seriam levados a interrogatório após o término do conflito.
Com 3 comandantes aprisionados, um portal roxo e negro se abriu sob a terra e as falanges das Trevas começaram a recuar batendo em retirada através deste portal. No calor da batalha, sem medo em seus seres, Akuã e o comandante Pantera se entreolharam com fúria nos olhos, decididos a perseguir seus oponentes através do portal. Foram mais uma vez advertidos pelo mais sábio entre nós: O Grande Mal quer que vocês os sigam. Não façam isso ou nós perderemos vocês e muitos mais de nossos irmãos. Grande número de nós foram abatidos e alguns foram capturados. Por amor ao Criador e a seus irmãos, acalmem a energia do Orixá da Guerra em vocês e apenas mantenham a posição.
O objetivo primário havia sido alcançado. As forças das Trevas recuaram e teríamos tempo de reestruturar e fortalecer nossa casa. Tínhamos feitos prisioneiros que nos ensinariam sobre o funcionamento estratégico de nossos oponentes e, além disso, aproximadamente 30 % de nós ou estavam necessitando de ajuda ou também haviam sido aprisionados. Voltando aos seus estados normais, Akuã e o comandante Pantera concordaram com o Grande Lobo e mantiveram a posição, mas prometeram, enviando sinais mentais àqueles que foram capturados para que resistissem, pois nenhum de nós seria deixado para trás.
Isso é tudo que posso relatar neste momento sobre o lado triste de ambos os mundos meu amigo.”
Em breve estes irmãos seriam resgatados, mas isto é tema para um próximo conto.
Reflita antes de entrar em uma demanda. Você e aqueles que te cuidam terão que enfrentar as dificuldades do embate.
Que Deus te abençoe e ilumine!
São Carlos, 07 de novembro de 2021.